Úrsula Pereira (Ascom do Theatro da Paz)
15 de nov. de 2023
Em mais um concerto gratuito da temporada 2023, a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz (OSTP), sob regência de Miguel Campos Neto e com a participação dos solistas Thaina Souza (soprano), Carolina Faria (mezzosoprano), Marcio Carvalho (tenor) e o violinista Justo Gutierrez, recebe nesta quinta-feira (16), no Theatro da Paz, a terceira edição do Fima - Festival Interativo de Música e Arquitetura, que homenageia os teatros históricos do Brasil, promovendo uma convergência lúdica entre música e arquitetura em alguns dos mais importantes templos da arte e da cultura brasileira. Os comentários serão realizados pelo professor e doutor Aldrin Figueiredo. A iniciativa é do Governo do Estado do Pará, por meio da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), do Theatro da Paz e da Academia Paraense de Música (APM).
O Fima, em sua edição anterior, homenageou o Palácio Lauro Sodré, e agora saúda outra joia arquitetônica da cidade, o Theatro da Paz, que reflete toda a riqueza do ciclo da borracha no Brasil, exibindo em sua fachada o esplendor de sua arquitetura neoclássica, colunas imponentes e detalhes ornamentais - que evocam a grandiosidade das casas de ópera e antigos teatros do velho continente.
De acordo com o Miguel Campos Neto, maestro titular da OSTP, um dos objetivos mais importantes desse concerto é fortalecer ainda mais essa conexão afetiva do público com o Theatro da Paz, que é um patrimônio histórico brasileiro.
“Essa parceria com o Fima nos possibilitou criar um repertório cuidadosamente pensado para que, por meio da música e da arquitetura, transportemos o público a uma viagem multissensorial pelos diferentes momentos de nossa história, unindo o passado, o presente e o futuro. Será uma jornada de reconhecimento e apreciação do nosso Theatro da Paz, símbolo de orgulho de todos nós paraenses”, afirma Campos Neto.
O 4º concerto da nova edição do Fima terá a apresentação de um repertório musical especialmente pensado para dialogar com os 145 anos da arquitetura, da arte decorativa e da história desse espaço único, testemunho vivo da história cultural e social de Belém e do Brasil.
O Programa e a História do Theatro da Paz - O concerto inicia com ‘Floresta Amazonas’, de Heitor Villa-Lobos, celebrando o espírito da Amazônia que vive no Theatro da Paz, palco maior da cultura amazônica paraense que, também se vê representada, por exemplo, na arte decorativa do plafond (o teto da Sala de Espetáculos). De Domenico de Angelis, de estilo rococó, a pintura combina personagens míticos greco-romanos com representações estilizadas de índios em meio à fauna e flora da região; ou na "Alegoria da República", de Chrispim do Amaral, onde Tapuios (indígenas que não pertenciam ao tronco tupi guarani) são integrados à cena, demonstrando a diversidade e riqueza cultural do Brasil.
A próxima obra do programa transportará a plateia para 7 de agosto de 1880, quando se apresentou a primeira ópera no Theatro da Paz. Sob a direção da renomada Companhia Lírica Italiana, liderada pelo empresário Tomás Passini, os acordes iniciais da ópera "Ernani" de Giuseppe Verdi ecoaram pelas paredes ornamentadas do teatro. A soprano dramático Filomena Sávio, com sua voz poderosa e cativante, levou o público ao mundo de paixão e drama da ópera, ao cantar a ária ‘Surta è la notte... Ernani Involami’, que, neste concerto, será ouvida na voz da virtuosa cantora lírica belenense Thaina Souza.
Ernani também esteve presente no Theatro da Paz após a reforma de 1887 a 1890. Na reabertura do teatro, a companhia lírica internacional, organizada pelo compositor belenense José Cândido da Gama Malcher, vencedor de uma concorrência pública para empresariar a temporada de reestreia, apresentou esta ópera novamente.
No entanto, a montagem foi marcada por paixões divididas da plateia. Apesar de ser amplamente aplaudida, a apresentação conheceu a resistência dos pateadores (vaiadores que batiam seus pés fazendo uma grande algazarra). O próprio Gama Malcher, que tinha grande prestígio social e político na capital, foi alvo de vaias nesta nova estreia de "Ernani", no dia 10 de agosto de 1890.
Esses episódios refletem a efervescência cultural e social da época, mostrando que o Theatro da Paz não era apenas um espaço de apresentações, mas também um palco de manifestações e emoções do público.
Em 1882, dois anos após a estreia de “Ernani”, Belém recebe novamente a Companhia Lírica Italiana de Tomás Passini, agora contratada pelo maestro paraense José Cândido da Gama Malcher. O destaque dessa temporada foi a presença do renomado compositor Carlos Gomes. Durante essa temporada, o maior nome da música brasileira do segundo reinado, estreou em terras paraenses com a ópera "Salvator Rosa", da qual será ouvida neste concerto a abertura, e regeu "O Guarani", que integra o programa através da apresentação da ‘Sento una forza indomita’, interpretada pela soprano Thaina Souza e pelo tenor Marcio Carvalho. A presença de Carlos Gomes na cidade foi marcada por inúmeras honrarias e homenagens que vieram do governo, grupos de estudantes, associações artísticas, particulares e da imprensa.
Nascido em 02 de novembro de 1853, em Belém do Pará, José Cândido da Gama Malcher fez sua formação na Itália, quando em 1876 ingressou no Conservatório de Milão. Foi lá que se tornou amigo de Carlos Gomes e esteve presente na estreia da ópera "Maria Tudor", do compositor de Campinas, da qual será ouvida a ária ‘Ogni rumor di passi’, na voz da mezzo-soprano Carolina Faria.
Foi em 1881 que o compositor recebeu de seu pai, o médico e presidente do legislativo provincial José da Gama Malcher, a incumbência de contratar esta companhia lírica para a terceira temporada do Theatro da Paz. Assim retornou ao Brasil em 1882, acompanhando a Companhia Lírica e de seu amigo Carlos Gomes. De Malcher, será apresentada a abertura de sua segunda ópera "Iara", estreada no Theatro da Paz em 1895, baseada no poema do escritor italiano Stradelli, que narra o encantamento que Iara exerce sobre os homens, atraindo-os para o seu reino na profundeza das águas.
Um dos mais notáveis compositores paraenses do século XIX, Henrique Eulálio Gurjão, teve uma formação musical sólida financiada pelo Governo da Província do Pará, que o enviou para Europa para estudar em Roma e em Gênova no Instituto Santa Cecília. Em 1861, volta ao Pará, onde passa a desenvolver grande atividade como professor e músico, passando a contribuir significativamente para o cenário musical deste Estado. Dele, será recitada a canção ‘Lembrança’, interpretada também pela mezzo-soprano Carolina Faria.
Terminando a primeira parte do concerto, "Fantasia para Violino e Orquestra" de Octávio Meneleu Campos, ilustre compositor e regente brasileiro, nascido em Belém do Pará, em 1872. Seu interesse pelo violino foi despertado após contato com o violinista baiano Adelino Francisco do Nascimento.
Ao retornar a Belém, agora com formação no Real Conservatório de Música de Milão, sob a orientação de Vincenzo Ferroni, assumiu a direção do Instituto Carlos Gomes, onde promoveu reformas significativas e intensificou a cena musical de Belém. Suas óperas, peças orquestrais e de câmara são um legado para a música paraense e um testemunho de sua genialidade e versatilidade. Neste concerto, a Orquestra será acompanhada pelo violinista Justo Gutierrez.
A segunda parte do programa começa trazendo a obra de outro importante compositor belenense, Paulino Lins de Vasconcelos Chaves. Nascido em 1881, estudou no Instituto Nacional de Música (INM) e posteriormente, na Alemanha, onde aprimorou seus conhecimentos musicais. Ao retornar ao Brasil, Paulino Chaves desempenhou um papel significativo na cena musical de Belém, atuando como professor e diretor do Instituto Carlos Gomes. Sua produção composicional abrangeu diversas obras, incluindo peças para piano e música de câmara.
Sua obra ‘Prelúdio e Fuga em dó maior’, que será apresentada neste concerto, foi composta entre os anos de 1937 e 1939, quando ocupava a posição de docente em piano no Instituto Nacional de Música (INM). Foi escrita em memória do professor de piano de Paulino, Robert Teichmüller, que havia falecido um mês antes da composição dessa obra.
A peça demonstra a influência do estilo barroco, especialmente no que se refere ao rigor e tratamento dos elementos principais em um ambiente tonal, remontando às fugas do século XVIII. Nesta obra, na qual se pode apreciar a maestria de Paulino Chaves na arte da fuga, o programa propõe um diálogo com a perspectiva barroca na qual as casas de ópera, como o Theatro da Paz, se inspiram. Uma estética repleta de símbolos, ornamentos e efeitos que encantam e surpreendem.
Em seguida, “As Lendas Amazônicas”, de Waldemar Henrique, onze canções originalmente redigidas para canto e piano, que mostram a exuberância da Amazônia na música desse virtuoso compositor do Pará. Suas melodias sincopadas e escolhas melódicas e harmônicas, se fundem ao texto de forma única, num delicado equilíbrio entre a música erudita, popular e folclórica.
O carinho do compositor com sua terra natal, unido à sua formação acadêmica, se manifesta nessas obras inspiradas na cultura amazônica. Três canções deste ciclo serão apresentadas: ‘Uirapuru’, ‘Tamba Tajá’, na voz da mezzosoprano Carolina Faria, e ‘Foi boto, Sinhá’, com a soprano Thaina Souza.
O próximo compositor belenense do programa é Altino Rosauro Salazar Pimenta. Nascido em 3 de janeiro de 1921 na cidade de Belém, sua paixão pela música se manifestou desde muito cedo. Aos 7 anos, iniciou seus estudos e em 1940, aconselhados pelos professores, os pais de Altino lhe enviam ao Rio de Janeiro para complementar seus estudos musicais, onde permaneceu por doze anos.
Sua primeira composição, ‘Estrela’, de 1943, que será interpretada na voz da soprano Thaina Souza, foi apenas o começo de uma carreira dedicada não só à composição musical, mas ao piano e ao ensino da música. Ao longo de sua trajetória artística, contribuiu significativamente para a cena musical brasileira. Em Belém, dirigiu a Escola de Música da Universidade Federal do Pará (Emufpa) e fundou o Encontro de Arte (Enarte).
Composta em 1949, ‘A Canção Minha Saudade’ é um hino sentimental de Santarém, do compositor Wilson Dias da Fonseca. Conhecido como maestro Izoca, nasceu em Santarém, Pará, em 17 de novembro de 1912, sendo reconhecido como um dos maiores compositores paraenses do século XX, ao lado de figuras como Waldemar Henrique e Altino Pimenta.
Sua extensa produção musical, que abrange mais de 1600 composições e arranjos, reflete a riqueza cultural da Amazônia. Desde jovem, Fonseca demonstrou uma aptidão notável para a música, transitando entre o erudito e o popular. Suas obras capturam o imaginário amazônico, incluindo cantigas, lendas e crendices, tornando-o uma figura central na preservação da cultura e história de Santarém.
Jaime Thomaz de Araújo Ovalle, que assina a penúltima obra deste programa, nasceu em Belém do Pará, em 5 de agosto de 1894. Compositor, pianista e boêmio notório, Ovalle era conhecido por sua personalidade carismática e talento musical. ‘Azulão’, com letra de Manuel Bandeira, é talvez sua composição mais famosa e é frequentemente interpretada por cantores líricos em todo o mundo.
O concerto se encerra voltando a Carlos Gomes, que faleceu em Belém em 1896. Essa figura central na história da música clássica do Brasil, especialmente reconhecido por suas óperas, que combinam influências europeias com elementos da música brasileira, tem na ópera "Il Guarany" (O Guarani), um de seus mais célebres trabalhos. Baseada no romance "O Guarani" de José de Alencar, a ópera foi composta em 1870 e rapidamente ganhou reconhecimento internacional, sendo a primeira ópera de um compositor brasileiro a ser apresentada no Teatro alla Scala, em Milão, um dos mais prestigiados teatros de ópera do mundo.
A Abertura Orquestral de "O Guarani" é particularmente notável e frequentemente executada como uma peça independente em concertos. Esta abertura é uma síntese magistral do drama e da paixão da ópera, introduzindo temas que serão desenvolvidos ao longo da obra. Ela começa com uma fanfarra poderosa e triunfante, seguida por seções mais líricas e melódicas que evocam a paisagem brasileira e a trama romântica da história. A habilidade de Carlos Gomes em mesclar influências europeias com ritmos e melodias brasileiras é evidente nesta abertura, tornando-a uma peça representativa tanto de sua habilidade composicional, quanto de sua identidade brasileira.
Serviço:
Concerto da OSTP em parceria com o Fima
Dia: Dia 16 de novembro de 2023, quinta-feira
Horário: 20h
Local: Theatro da Paz
Os ingressos podem ser adquiridos no dia do concerto neste site , a partir das 9h, e na bilheteria do Da Paz a partir das 18h. A venda é limitada a dois ingressos por pessoa.
Texto: Úrsula Pereira - Ascom/Theatro da Paz
Via Agência Pará: https://agenciapara.com.br/noticia/49065/ostp-recebe-em-mais-um-concerto-de-temporada-o-festival-interativo-de-musica-e-arquitetura